quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Pica pau, o ecológico



Você sabia que o Pica-pau foi considerado extinto?
Pois é. A espécie Campephilus principalis foi considerada extinta há décadas, e ao saber disso,Walter Lantz teria nomeado seu mais famoso desenho em homenagem a esta espécie, como lembrete pela perda que a humanidade causara no ambiente.

Surpresa das surpeesas, em 2004 um grupo de pesquisadores disse ter obtido provas de que a espécie ainda persiste em área remotas do centro-leste norteamericano. Há uma enorme polêmica sobre a substancialidade das provas (um bom artigo para começar a se envolver na discussão é este: http://www.sciencemag.org/content/early/2005/04/28/science.1114103.full.pdf). Não sei se há um "Fundo Pica-pau pela conservação", mas seria genial que os herdeiros de Lantz ajudassem a proteger a espécie que os fez ricos.



Quer dizer que o mais politicamente incorreto dos desenhos nasceu de uma preoupação ecológica? O anárquico Pica pau é um ambientalista?

Exato. E não só isso. Em comparação com seus pares da Warner e Disney da época, o Pica-pau é ecologicamente engajado até a medula. Não obstante os desenhos onde os predadores eram os vilões (ursos eram as maiores vítimas, mas jacarés e aves de rapina também sofriam nas mãos do esperto e franzino Pica-pau, no clássico embate de davi contra Golias comum a tantos desenhos), os roteiristas atacavam cientistas com pesquisas invasivas (comuns na época dos primeiros documentários de natureza, tão interferentes quanto uma caçada), taxidermistas, lenhadores, artesãos de relógios cuco (tem coisa mais cruel do que um pássaro empalhado dar as horas?), observadores de pássaros e falsos ecoturistas, caçadores de búfalos, de baleias... a lista é incrivelmente extensa.

Sim, o desenho de suas manhãs tentou te ensinar valores ecológicos antes de aprenderes a escrever.

E as pessoas se questionam o tempo todo se devemos ser chatos e passar lições o tempo todo. Isso acontece! A diferença entre o discurso pentelho do capitão Planeta e o Pica pau é que o segundo é mil vezes mais divertido e a lição é sutil. O mesmo acontece com a crítica social em "Chaves".

Outro dia, em uma típica corrida armamentista, Quico e Chiquinha ficavam gritando na orelha de seus respectivos pais para jogarem mais e mais moedas para subornarem o poço de desejos e mais e mais tratores atropelarem o outro. E Chaves diz: "-Será que não dá pra pararem de desperdiçar moedas com tratores e desejarem que eu possa almoçar todos os dias?"

E todo mundo acha Roberto Bolaños só um palhaço... E nunca prestaram atenção no moral do seu madruga, no capitalismo com coração do seu Barriga, nas críticas ao crime organizado do Tripa Seca, nas espetadas no imperialismo quando aparecia o SuperSam unindo-se ao Chapolin Colorado.

E agora os desenhos pararam de dar lições, e a juventude se perdeu? Não. Assisti dia desses um episódio de Ben 10, aquele desenho feito só para vender brinquedos que todo mundo critica sem lembrar que essa é uma das mais antigas técnicas de marketing infantil, onde não só o episódio inteiro é sobre o protagonista e seus amigos tentanto evitar uma guerra entre dois povos só diferentes pela cor (azuis contra vermelhos) e cujas ideias se completavam sempre quando eles se uniam, como eles falham em evitar a guerra, deixam a situação ainda pior do que quando chegaram e os generais assumem que só fazem guerra para que o povo se esqueça dos problemas verdadeiros que eles tem que enfrentar, e nunca se rebelem contra os governantes que não fazem nada por eles. É mais fácil colocar a culpa na guerra.

É horrivelmente pessimista. E é o desenho que seu filho assiste e aprende. Eu diria que algo deste tipo supera até mesmo a moral que toda criança pulava e ia fazer coisa mais interessante no final de He-Man (com a nova ortografia esse hífen ainda existe?). Preciso ainda citar a genialidade dos estúdios da Pixar, que merecidamente tomaram de assalto a Disney e aposentaram a era das continuações das continuações do subprodutos dos clássicos antigos. Deixem o Rei Leão em paz. Viva Wall-E (lixo e sedentarismo), Procurando Nemo (relação pai-e-filho, repressão familiar e desejo de liberdade) e Brave (que eu nem sei do que tratará, e já nasceu perfeito)!



Claro, para cada sacada em Ben 10, temos mil desenhos das Bratz, filmes dos Transformers (a coisa mais imbecil em que Spielberg já pos a mão) ou episódios de Hot Wheels. Por sorte, existe o Peixonauta, os Backyardigans e a TV Cultura.

Tudo isso para lembrar que a infância de hoje não está pior servida de TV do que a sua, ó trintão. O que falta a ela é pisar na Terra, e isso é com você, bicho. Na sua época, sua mãe te largava no terreno baldio vizinho. Hoje, essa parte precisa da sua ajuda.

E se prepare, você vai precisar fazer o vilão alienígena da vez com a mesma imaginação com que fingia ser o Esqueleto.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Pintou um Clima




Acabou a conferência de Durban e parece existir certo otimismo pelo fato de que as conclusões pelo menos contaram com apoio dos dois emissores de gases de efeito estufo do planeta, a China e os EUA.

Não preciso discutir muito aprofundadamente sobre tudo que foi dito, então resolvi dedicar a postagem àqueles que se acostumaram a dizer que o clima não está mudando e que controlar emissões de gases de efeito estufa é parte de um plano maquiavélico dos países industrializados segurarem o desenvolvimento dos países pobres.

Tem gente que pensa assim? Tem, e não sem uma parcela de razão. Controlar emissões é uma forma de encarecer a produção industrial e um país pode alegar que não comprará nada de um país poluidor pequeno, impedindo-o de exportar mais. DÁ para impedir o desenvolvimento de países com estas ferramentas.

O que em geral se esquece é que seus pais se lembram de quando São Paulo era a Terra da Garoa, de quando nevou no Itatiaia e o mosquito da dengue não conseguia sobreviver nas latitudes abaixo do RJ. O clima está mudando. e não é para melhor. A humanidade já tirou zilhões de toneladas de carbono que a natureza sabiamente enterrou sob camadas infinitas de rocha e os jogou no céu. Já tirou camadas imensas de cobertura vegetal dos solos e igualmente as queimou.

Sério que tem quem acha que isso não faz diferença no equilíbrio climático do planeta?

É mais comum ver este pensamento entre gente de humanas, que costuma enxergar tudo pelo filtro da justiça social, da briga de classes, do marxismo x capitalismo e por aí vai. É gente que nunca leu ou não quis entender livros como o genial "Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres", de Leonardo Boff, que retrata o papel da destruição ambiental no processo de opressão social. Ou ainda "Pálido ponto azul", do saudoso Carl Sagan, que nos lembra da fragilidade de nosso planeta.

Os exemplos de mudança climática são imensos. Furacões, secas, enchentes são as mais evidentes, mas pequenas mudanças climáticas como o aumento de meio grau centígrado torna possível a insetos avançarem sobre áreas antes livres deles, levando novas formas de destruição de lavouras ou epidemias de doenças após alguns anos.

Sério que tem quem ache que isso tudo é um ciclo natural? Que a Terra esfria e esquenta normalmente e isso não é culpa nossa? Claro que tem, gente que não sabe contar tempo geológico para saber que uma mudança climática de poucos graus leva alguns poucos milhares de anos (O que é rápido em se tratando de eras). As mudanças climáticas que hoje sofremos podem ser acompanhadas em pouco mais de cem anos, coincidindo com o início do uso sistemático e incontrolável de combustíveis fósseis. Coincidindo? Não.

A conferência de Durban é uma grata surpresa, embora ainda sem resultados práticos, que pode nos mostrar que está na hora de pararmos de ver o problema como país contra país e sim de humanos tentando manter o planeta habitável em todas as suas partes.

Garanto que se você morasse no arquipélago de Tuvalu estaria muito mais feliz com a possibilidade de começarem a cuidar disso!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Invasores!!!

Dique de castor em Ushuaia, Argentina.


A maioria das pessoas lembra-se a palavra "invasão" quando se refere a alienígenas verdes e mal-humorados despejando bombas e lasers sobre os pobres galãs hollywoodianos ou ao falar de episódios bélicos diversos, cujos exemplos são incontáveis.
Não deveria causar espanto, portanto, a seriedade imensa dada pelos ecólogos do mundo todo à questão das espécies invasoras. É uma invasão alienígena nos mesmos moldes dos filmes e romances de ficção, pois os invasores são mais dotados de armas de ataque que os pobres nativos, e igualmente bélica, pois suscita um empreendimento maciço para barrar e exterminar os invasores. Expulsão é quase impossível. Lembremos que a espécie humana é invasora da maior parte de sua atual distribuição geográfica.

A complexidade da questão é maior do que aquela envolvendo o efeito estufa ou o uso de energia nuclear. Para estas duas, as soluções são conhecidas, mas falta esforço direcionado para resolvê-las. Já no caso dos invasores de outras terras, é uma imensa dificuldade descobrir como agir para resolver o pepino. E mesmo delimitar quem é e quem não pode mais ser considerado invasor. O Dingo australiano, por exemplo, deve ser considerado invasor?

Esta postagtem nasceu em outro blog, e graças a uma coluna publicada no Estadão de 26 de abril de 2009, de autoria do Gilles Lapouge, sobre as espécies invasoras da Europa. Vejamos o absurdo.
Lapouge é um babaca. Suas opiniões são terríveis. Do alto de seus 82 anos e prêmios literários, se presenteou com o direito de falar besteira. Mas dessa vez ele pisou no meu terreno.

Na coluna, ele reclama das espécies que hoje invadem a Europa e causam prejuízos na casa dos bilhões de euros. Sério? Quando ele viveu no Brasil ele prestou atenção na fauna que estava nas cidades? Ele diz que "pássaros, peixes, mamíferos, insetos e flores vindos do outro lado do mundo estão cobrindo suas paisagens, semeando a discórdia, a desordem ou a morte". Depois, afirma que "Outrora, as ilhas do Taiti eram monótonas, apagadas, velhas. bastou Bougainville, Wallis e Cook descobrirem essa ilha para ela começar a brilhar com as flores e os frutos trazidos nos porões dos navios europeus".

Temos dois pesos e duas medidas. As espécies agressivas e competidoras levadas para o Taiti não causaram discórdia, desordem e morte? Quantas plantas nativas não foram devastadas po causa destas competidoras, postas em um lugar sem predadores, doenças e herbívoros que as controlam em seu habitat natural? Quantos animais não morreram por causa destas novas espécies e com o sumiço das nativas? Quando florestas tropicais podem ser consideradas "monótonas, apagadas e velhas"??? Parafraseando o popular ficcionista Michael Crichton em Jurassic Park, as plantas são seres agressivos e que lutam terrivelmente com seus inimigos vegetais, em batalhas químicas e de dispersão que fazem nossas armas químicas parecerem brinquedos.

Ele reclama dos danos causados pelo ratão do banhado (ele lembra que este roedor transmite leptospirose) e pelo mergulhão nas coleções aquáticas européias. Esqueceu-se do aguapé, levado para lá pelos jardineiros fascinados pela linda flor roxa que estes dão, sem imaginar os danos à navegação que ela causa em um lugar sem peixes-boi pra comê-la.

Aposto que o ministério do meio-ambiente da Argentina rirá quando ler isso, lembrando-se dos europeus que enfiaram o castor (e a doninha) na Argentina para ter um animal de caça novo pra produção de peles. Os prejuízos causados pelos castores são de milhões de pesos argentinos. A devastação florestal é incalculável.

Proponho uma troca. Os europeus pegam todos os ratões do banhado e mergulhões de seus açudes e nos mandam de volta. Podem mandar também todo seu aguapé para a Amazônia. Eles podem mandar os lagostins de volta para o Mississipi também: aposto que vai ter jambalaia para todos por meses!

Em troca, nós mandamos seus castores, ratazanas, ratos de telhado, baratas e mosquitos de volta. Sim, ratos e baratas são do velho mundo, eles não existiam no Brasil até sermos invadidos pelas caravelas. E aposto que os ratos do velho mundo trouxeram muito mais leptospirose para a américa desde 1492 do que todos os ratões do banhado juntos já fizeram desde o início dos tempos em todo o mundo.

Mandamos também o mexilhão dourado que entope a hidrelétrica de Itaipu, a truta que invadiu os riachos de montanha de Minas Gerais e São Paulo, as pombas, as dezenas de espécies de gramíneas testadas para pastos e que hoje destroem nosso cerrado e os pampas, os pardais, as árvores de Ficus, os eucaliptos invasores da mata atlântica de volta para a Austrália, os búfalos que estão acabando com a floresta de Rondônia, os javalis que destroem plantações feitas com o suor de muitos meses de caboclos do sul e sudeste, dentre muitos outros exemplos.

Os chuchus, as abelhas, os Aedes aegypti, os caramujos gigantes africanos, as rãs-touro, as tilápias, as lebres européias, as braquiárias e todos os ratos e camundongos, todas os indivíduos de todas estas espécies, eu faço questão de enviar direto para casa do senhor Lapouge. Estas espécies que quebraram a monotonia envelhecida de nossas florestas, campos e rios. Que destroem o ecossistema mais rico de todo o planeta.

E nem vou falar das doenças e vírus.

Não me constam muitas espécies levadas por australianos, brasileiros, nigerianos, chineses, mexicanos, hindus, vietnamitas, canadenses, estado-unidenses, egípcios, afegãos ou seja lá de onde for para a Europa. Estas espécies, se estão aí, foram levadas por europeus.

Claro, a disseminação de espécies pela Europa se deve também ao aquecimento global. Hoje espécies tropicais encontram condições de vida antes inexistentes em terras tão ao norte. Há periquitos em Londres hoje. O transporte acidental também é, e foi, imenso.

Portanto, se este texto foi criado pensando no Brasil, lamentemos a imensa desconsideração dele com a realidade dos países que sofreram a invasão das espécies levadas para cima e para baixo pelos europeus. Perdão, senhor Lapouge. O convido a passar mais alguns anos no Brasil ou Argentina, na Austrália ou no Taiti, e ver o que as espécies invasoras fazem com os ecossistemas destes lugares.

E, em sua responsabilidade como correspondente e divulgador, não agir como invasor, mas como parte destes povos que o acolhem.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Rinos!



Meus Rinocerontes. Não preciso do chifre de um deles para me sentir bem.


Alguns dias atrás li a seguinte deprimente notícia: "Rinoceronte de java é extinto".
Quase morri do coração. Sabia do frágil estado de conservação da menor espécie destes incríveis animais, mas extinto? como assim??? Fui ler a matéria.

Extinto, sim, no Vietnã. Outros 50 remanescentes ainda sobrevivem na Indonésia, em um único parque nacional. As perspectivas a longo prazo para tão pequeno número de um animal grande que se reproduz devagar são péssimas. Isto é, eu posso ser obrigado a ler a notícia de novo, mas desta vez com a primeira impressão se confirmando.

Se quer saber, me deprime mais saber que a próxima geração vai ler que foi durante a minha que a 5º espécie de rinoceronte foi destruída. Adoro rinocerontes. Adoro desde que ganhei um de plástico e era bebê (tenho até hoje), desde que assisti o fantástico filme "Rhino!", uma aventura de 1964 que vez ou outra passava na sessão-coruja onde um grupo de ex-caçadores se unia para salvar rinocerontes brancos na África.

E desde que odiei o filme "Rinoceronte", com o Gene Wilder, que adaptava em 1974 a peça de Eugene Ionesco de mesmo nome (eu era pequeno demais para entender que eles falavam mal dos rinocerontes como metáfora para a brutalização da humanidade).

Aí você me pergunta, com a burrice do Chico Anísio falando do Mico-leão dourado anos atrás: E daí?, com tanta gente morrendo de fome?



Manifestação popular alertando sobre a caça ilegal na África do Sul, em 21 de setembro, "dia do Rinoceronte" lá, de 2010.


E daí que o seu filho pode não ver uma destas magníficas criaturas vivas. daí que o mundo vai ficar mais feio, o ambiente vai perder uma peça das que o faz funcionar, o ambiente não funcionando pode te matar direta E indiretamente e acho que alguém capaz de perguntar algo assim é mais dispensável do que o Rinoceronte vietnamita morto para o mundo.

E o Brasil? Isso importa? Sim. O Vietnã é um país em busca de seu papel no mundo, com uma economia destruída por guerras, corrupção e perda de recursos naturais. Seu índice de qualidade de vida é assustadoramente baixo até para os padrões mais baixos do Brasil. E estão profundamente incomodados e envergonhados com o que aconteceu.

Aqui? Aqui temos uma economia que enfim começou a se provar funcional, que avança a passos largos para tirar da linha da fome e da miséria absoluta aqueles submetidos a décadas de exploração, mas somos incapazes de provar que um bicho na floresta é mais valioso do que se estiver morto. E quando se diz que uma floresta do tamanho da Suiça pode ser derrubada amanhã, o máximo que as pessoas pensam é "droga, vamos visitar outra amanhã".

Depois de amanhã não vai ter outra. E depois de amanhã, o parente nacional muito próximo do rinoceronte, a anta, vai ser lembrança?



Ano passado, um Rinoceronte me encarou. Eles são míopes ao extremo, mas ele sentiu meu cheiro, viu me vulto, escutou minha respiração ofegando emocionada. Eu não me atrevo a negar essa experiência a todas as pessoas que um dia pisarão na Terra.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

60 quilos



Você comeria?
Foto de http://www.informaabc.com.br/

Parece história de pescador. E é. Semana passada estive na represa Billings e vi os pescadores da colônia de pescadores de Riacho Grande levando uma carpa de quase 60 quilos para taxidermia. Três pessoas para tirá-la do freezer onde foi guardada, duas para carregar.

60 quilos. Uma carpa da represa tem em geral uns 3 quilos. A Record deu destaque para o assunto no seu site, em http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/homem-pesca-carpa-gigante-na-represa-billings-20110928.html . Eu a vi, tenho amigas menores do que a carpa, que media 1,46 metro.

A represa Billings é considerada condenada por muitos. Anos de esgotos sem tratamento, despejos de indústrias que já nem são mais lembradas, lixo jogado por turistas e moradores ribeirinhos... dezenas de motivos que se esquecem que é uma das maiores reservas de água em área metropolitana do mundo. Centenas de pessoas tiram seu sustento direta ou indiretamente de suas águas. Em caso de escassez, de aumento no consumo, em emergências, tempos de mudança climática, de busca por novas fontes de renda, de turismo de natureza em crescimento e de entretenimento barato e saudável, é racional manter imprestável tal recurso?

Uma carpa de 60 quilos é sinal de que há outras de 10, 30 ou 50 quilos à espera para serem capturadas. Fora acarás, traíras e outros peixes que estão ali. Imagine só o turismo de pesca motivado por um peixe como esse. O lucro dos pescadores profissionais caso o peixe da Billings se torne conhecido.

Mas a represa é contaminada e estes peixes são confiáveis?

Não sei. A idéia é justamente que, se a represa ruim como está é capaz de fazer uma carpa crescer até chegar ao peso de uma pessoa, imagine se ela estiver bem. Milhares de novas ligações de esgoto estão sendo feitas no entorno da represa, e os órgãos ambientais podem focar seus esforços nas indústrias ainda em funcionamento da área, além de promoverem educação aos moradores e visitantes. É uma nova forma de viver ao lado da represa, tirada dos escombros da antiga São Paulo.

A carpa não é só um espanto de peixe, é um aviso de que mesmo quando todos já dão uma causa por perdida, a natureza ainda é capaz de nos surpreender.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Não quero cachorro


Frederico, meu "resgatado".



Durante cinco anos trabalhei com Vigilância em Saúde na prefeitura de Sampa. Embora os dois terços desta área compostos de epidemiológica e sanitária fossem parte do que eu fazia, quase todo meu tempo era dedicado ao terço da vigilância ambiental, especialmente zoonoses. E das trocentas coisas inclusas em Vigilância em saúde ambiental, uma chama mais atenção quando eu falo desta época: Maus-tratos a animais.

Minha equipe tinha uma dupla dedicada a peneirar os casos de fofoca entre vizinhos, implicâncias com animais alheios etc dos casos que configuravam mesmo maus-tratos. E lá estava eu, a veterinária-braço-direito e/ou o outro biólogo-braço-esquerdo da equipe para ver o que acontecia.

Sempre era assustador.

Hoje, nas redes sociais que perfazem nossa vida virtual substituta das ruazinhas tranqüilas de vila, recebo dúzias de chamados para ações pelos cães, pelos gatinhos abandonados, pelos pobres irmãos que não podem se defender. E apoio todas estas ações. Só o que percebo em quase todas é uma certa ingenuidade. Não é uma questão de “se cada família adotar um, a gente se livra do problema”. Nem todos devem ou podem ter bicho. Nem todo bicho na rua foi abandonado. Nem toda boa ação pro bicho na rua é boa a longo prazo. Nem todo bicho pode ser salvo. Nem todo Pit Bull pode ter o comportamento recuperado.

É ponto pacífico que o problema nunca é o bicho, é sempre a pessoa que abandona, a que coloca comida para os da rua e estimula sua procriação, a que acumula animais no quintal achando que assim faz uma boa ação. Precisei fazer muitos que se diziam protetores arrumarem donos para metade de seus 18 cachorros por que isso simplesmente é contra a lei e contra a idéia de fazer o bem para eles. Não dá para ter 18 cachorros saudáveis e felizes num quintal comum de cidade grande: eles ficam estressados, incomodam com toda razão os vizinhos, cheira mal, gastam tempo demais do dono (que assim perde qualidade de vida) e são um foco sério de doenças para todos os bichos, humanos ou não, do entorno.

E eu ouvia coisas como:
- “Eles ficam melhor aqui do que na rua” (não, não viviam quase nunca, e na rua eles não tinham comida à vontade para fazer dúzias de filhotes);
- “Por que a prefeitura não faz campanha de castração em massa?” (custa muito caro, e se alguém diz que está gastando os parcos recursos que realmente chegam na ponta da hierarquia para cuidar de bicho, a sociedade surta. Agora, existem projetos nesse sentido funcionando, só não se pode obrigar ninguém a castrar seu bicho);
- “E vacinação pública contra cinomose?” (o poder público tem que se preocupar com a saúde das pessoas, não a dos cães. O dono é quem deve arcar com problemas dos seus bichos);
- “Ah, você devia ter tirado todos os cachorros dela!” (não,não devia. Eles estão bem em menor número agora OU eles podem todos ficar pois são bem tratados OU ela ia arrumar o dobro se eu desse esse baque psicológico nela);
- “Multa logo ele!” (adiantaria? E é melhor fazer a pessoa se convencer de que você quer resolver o problema COM ela, ainda que demore um pouco mais, e não angariar grana para a prefeitura);
- “Eu já tinha essa boiada aqui anos antes desse bairro aparecer” (é, BOIADA em São Paulo. Lidei com duas na pequena subprefeitura que eu cuidava. E de fato eles estavam lá antes dos bairros. NÃO é contra a lei ter bovinos em área urbana, mas porcos sim);
- “Eu tenho medo do meu cachorro. Vai vacinar ele lá em casa para mim?” (é contra a lei ir vacinar em casa ou levar a vacina. E ter medo do próprio cachorro é sinal de que você não devia ter um);
- “Minha filha deficiente gosta dos 48 gatos dela” (os gatos moram bem num quarto de 3x5 m? Se ela adoecer por isso a culpa é dos gatos?);

... e por aí vai. Conto qualquer história desejada numa mesa de bar. Em nenhum momento falei dos cachorros soltos pelos donos que vão sair de férias, que se cansam deles depois de adultos e com personalidade, dos gatos torturados por futuros assassinos seriais, das promessas de campanha dos vereadores “verdes”. Zilhões de outras questões resumidas no fato de que a sociedade brasileira não sabe lidar com animais de estimação, muito menos (outro assunto, de quem já cuidou de 148 saguis e 52 papagaios resgatados de tráfico) com animais silvestres “criados” em casa.

O problema, para variar, não é nossa exclusividade. Basta assistir “O encantador de cachorros”, “Distrito animal”, “Animais em perigo” e vários outros para notar que nem mesmo é incomum lá nos “estrangêro” (eu morria de inveja dos recursos do pessoal do “Distrito...”). A TV americana conseguiu capitalizar as investigações de maus tratos e usar isso como ferramenta de conscientização. As parcas tentativas de fazer isso aqui no Brasil esbarram na mesma ingenuidade das postagens pedindo para ajudar o cachorrinho: Batem na trave do piegas, não tocam de fato as pessoas e nem as assustam, e não entram no gol da conscientização.

Para finalizar, eu sou a favor de vender cachorros já castrados, chipados, com manual de instrução e uma taxa que seja usada para projetos de castração pública. De preferência, promover a adoção de animais resgatados ao invés da venda. Perdoem-me os radicais, mas impedir o sacrifício de animais pode ser um tiro no pé em caso de epidemias, situações de risco à integridade da população ou de multiplicação absurda que se vê em certos lugares. Quem abandona cachorro ou gato na rua devia ser preso por uns cinco anos. E penso que já tem gente o bastante pensando nos domésticos para me deixar livre para pensar nos silvestres.

Hoje, antes de dormir, afague seus bichos. Eles precisam de você.