segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Rinos!



Meus Rinocerontes. Não preciso do chifre de um deles para me sentir bem.


Alguns dias atrás li a seguinte deprimente notícia: "Rinoceronte de java é extinto".
Quase morri do coração. Sabia do frágil estado de conservação da menor espécie destes incríveis animais, mas extinto? como assim??? Fui ler a matéria.

Extinto, sim, no Vietnã. Outros 50 remanescentes ainda sobrevivem na Indonésia, em um único parque nacional. As perspectivas a longo prazo para tão pequeno número de um animal grande que se reproduz devagar são péssimas. Isto é, eu posso ser obrigado a ler a notícia de novo, mas desta vez com a primeira impressão se confirmando.

Se quer saber, me deprime mais saber que a próxima geração vai ler que foi durante a minha que a 5º espécie de rinoceronte foi destruída. Adoro rinocerontes. Adoro desde que ganhei um de plástico e era bebê (tenho até hoje), desde que assisti o fantástico filme "Rhino!", uma aventura de 1964 que vez ou outra passava na sessão-coruja onde um grupo de ex-caçadores se unia para salvar rinocerontes brancos na África.

E desde que odiei o filme "Rinoceronte", com o Gene Wilder, que adaptava em 1974 a peça de Eugene Ionesco de mesmo nome (eu era pequeno demais para entender que eles falavam mal dos rinocerontes como metáfora para a brutalização da humanidade).

Aí você me pergunta, com a burrice do Chico Anísio falando do Mico-leão dourado anos atrás: E daí?, com tanta gente morrendo de fome?



Manifestação popular alertando sobre a caça ilegal na África do Sul, em 21 de setembro, "dia do Rinoceronte" lá, de 2010.


E daí que o seu filho pode não ver uma destas magníficas criaturas vivas. daí que o mundo vai ficar mais feio, o ambiente vai perder uma peça das que o faz funcionar, o ambiente não funcionando pode te matar direta E indiretamente e acho que alguém capaz de perguntar algo assim é mais dispensável do que o Rinoceronte vietnamita morto para o mundo.

E o Brasil? Isso importa? Sim. O Vietnã é um país em busca de seu papel no mundo, com uma economia destruída por guerras, corrupção e perda de recursos naturais. Seu índice de qualidade de vida é assustadoramente baixo até para os padrões mais baixos do Brasil. E estão profundamente incomodados e envergonhados com o que aconteceu.

Aqui? Aqui temos uma economia que enfim começou a se provar funcional, que avança a passos largos para tirar da linha da fome e da miséria absoluta aqueles submetidos a décadas de exploração, mas somos incapazes de provar que um bicho na floresta é mais valioso do que se estiver morto. E quando se diz que uma floresta do tamanho da Suiça pode ser derrubada amanhã, o máximo que as pessoas pensam é "droga, vamos visitar outra amanhã".

Depois de amanhã não vai ter outra. E depois de amanhã, o parente nacional muito próximo do rinoceronte, a anta, vai ser lembrança?



Ano passado, um Rinoceronte me encarou. Eles são míopes ao extremo, mas ele sentiu meu cheiro, viu me vulto, escutou minha respiração ofegando emocionada. Eu não me atrevo a negar essa experiência a todas as pessoas que um dia pisarão na Terra.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

60 quilos



Você comeria?
Foto de http://www.informaabc.com.br/

Parece história de pescador. E é. Semana passada estive na represa Billings e vi os pescadores da colônia de pescadores de Riacho Grande levando uma carpa de quase 60 quilos para taxidermia. Três pessoas para tirá-la do freezer onde foi guardada, duas para carregar.

60 quilos. Uma carpa da represa tem em geral uns 3 quilos. A Record deu destaque para o assunto no seu site, em http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/homem-pesca-carpa-gigante-na-represa-billings-20110928.html . Eu a vi, tenho amigas menores do que a carpa, que media 1,46 metro.

A represa Billings é considerada condenada por muitos. Anos de esgotos sem tratamento, despejos de indústrias que já nem são mais lembradas, lixo jogado por turistas e moradores ribeirinhos... dezenas de motivos que se esquecem que é uma das maiores reservas de água em área metropolitana do mundo. Centenas de pessoas tiram seu sustento direta ou indiretamente de suas águas. Em caso de escassez, de aumento no consumo, em emergências, tempos de mudança climática, de busca por novas fontes de renda, de turismo de natureza em crescimento e de entretenimento barato e saudável, é racional manter imprestável tal recurso?

Uma carpa de 60 quilos é sinal de que há outras de 10, 30 ou 50 quilos à espera para serem capturadas. Fora acarás, traíras e outros peixes que estão ali. Imagine só o turismo de pesca motivado por um peixe como esse. O lucro dos pescadores profissionais caso o peixe da Billings se torne conhecido.

Mas a represa é contaminada e estes peixes são confiáveis?

Não sei. A idéia é justamente que, se a represa ruim como está é capaz de fazer uma carpa crescer até chegar ao peso de uma pessoa, imagine se ela estiver bem. Milhares de novas ligações de esgoto estão sendo feitas no entorno da represa, e os órgãos ambientais podem focar seus esforços nas indústrias ainda em funcionamento da área, além de promoverem educação aos moradores e visitantes. É uma nova forma de viver ao lado da represa, tirada dos escombros da antiga São Paulo.

A carpa não é só um espanto de peixe, é um aviso de que mesmo quando todos já dão uma causa por perdida, a natureza ainda é capaz de nos surpreender.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Não quero cachorro


Frederico, meu "resgatado".



Durante cinco anos trabalhei com Vigilância em Saúde na prefeitura de Sampa. Embora os dois terços desta área compostos de epidemiológica e sanitária fossem parte do que eu fazia, quase todo meu tempo era dedicado ao terço da vigilância ambiental, especialmente zoonoses. E das trocentas coisas inclusas em Vigilância em saúde ambiental, uma chama mais atenção quando eu falo desta época: Maus-tratos a animais.

Minha equipe tinha uma dupla dedicada a peneirar os casos de fofoca entre vizinhos, implicâncias com animais alheios etc dos casos que configuravam mesmo maus-tratos. E lá estava eu, a veterinária-braço-direito e/ou o outro biólogo-braço-esquerdo da equipe para ver o que acontecia.

Sempre era assustador.

Hoje, nas redes sociais que perfazem nossa vida virtual substituta das ruazinhas tranqüilas de vila, recebo dúzias de chamados para ações pelos cães, pelos gatinhos abandonados, pelos pobres irmãos que não podem se defender. E apoio todas estas ações. Só o que percebo em quase todas é uma certa ingenuidade. Não é uma questão de “se cada família adotar um, a gente se livra do problema”. Nem todos devem ou podem ter bicho. Nem todo bicho na rua foi abandonado. Nem toda boa ação pro bicho na rua é boa a longo prazo. Nem todo bicho pode ser salvo. Nem todo Pit Bull pode ter o comportamento recuperado.

É ponto pacífico que o problema nunca é o bicho, é sempre a pessoa que abandona, a que coloca comida para os da rua e estimula sua procriação, a que acumula animais no quintal achando que assim faz uma boa ação. Precisei fazer muitos que se diziam protetores arrumarem donos para metade de seus 18 cachorros por que isso simplesmente é contra a lei e contra a idéia de fazer o bem para eles. Não dá para ter 18 cachorros saudáveis e felizes num quintal comum de cidade grande: eles ficam estressados, incomodam com toda razão os vizinhos, cheira mal, gastam tempo demais do dono (que assim perde qualidade de vida) e são um foco sério de doenças para todos os bichos, humanos ou não, do entorno.

E eu ouvia coisas como:
- “Eles ficam melhor aqui do que na rua” (não, não viviam quase nunca, e na rua eles não tinham comida à vontade para fazer dúzias de filhotes);
- “Por que a prefeitura não faz campanha de castração em massa?” (custa muito caro, e se alguém diz que está gastando os parcos recursos que realmente chegam na ponta da hierarquia para cuidar de bicho, a sociedade surta. Agora, existem projetos nesse sentido funcionando, só não se pode obrigar ninguém a castrar seu bicho);
- “E vacinação pública contra cinomose?” (o poder público tem que se preocupar com a saúde das pessoas, não a dos cães. O dono é quem deve arcar com problemas dos seus bichos);
- “Ah, você devia ter tirado todos os cachorros dela!” (não,não devia. Eles estão bem em menor número agora OU eles podem todos ficar pois são bem tratados OU ela ia arrumar o dobro se eu desse esse baque psicológico nela);
- “Multa logo ele!” (adiantaria? E é melhor fazer a pessoa se convencer de que você quer resolver o problema COM ela, ainda que demore um pouco mais, e não angariar grana para a prefeitura);
- “Eu já tinha essa boiada aqui anos antes desse bairro aparecer” (é, BOIADA em São Paulo. Lidei com duas na pequena subprefeitura que eu cuidava. E de fato eles estavam lá antes dos bairros. NÃO é contra a lei ter bovinos em área urbana, mas porcos sim);
- “Eu tenho medo do meu cachorro. Vai vacinar ele lá em casa para mim?” (é contra a lei ir vacinar em casa ou levar a vacina. E ter medo do próprio cachorro é sinal de que você não devia ter um);
- “Minha filha deficiente gosta dos 48 gatos dela” (os gatos moram bem num quarto de 3x5 m? Se ela adoecer por isso a culpa é dos gatos?);

... e por aí vai. Conto qualquer história desejada numa mesa de bar. Em nenhum momento falei dos cachorros soltos pelos donos que vão sair de férias, que se cansam deles depois de adultos e com personalidade, dos gatos torturados por futuros assassinos seriais, das promessas de campanha dos vereadores “verdes”. Zilhões de outras questões resumidas no fato de que a sociedade brasileira não sabe lidar com animais de estimação, muito menos (outro assunto, de quem já cuidou de 148 saguis e 52 papagaios resgatados de tráfico) com animais silvestres “criados” em casa.

O problema, para variar, não é nossa exclusividade. Basta assistir “O encantador de cachorros”, “Distrito animal”, “Animais em perigo” e vários outros para notar que nem mesmo é incomum lá nos “estrangêro” (eu morria de inveja dos recursos do pessoal do “Distrito...”). A TV americana conseguiu capitalizar as investigações de maus tratos e usar isso como ferramenta de conscientização. As parcas tentativas de fazer isso aqui no Brasil esbarram na mesma ingenuidade das postagens pedindo para ajudar o cachorrinho: Batem na trave do piegas, não tocam de fato as pessoas e nem as assustam, e não entram no gol da conscientização.

Para finalizar, eu sou a favor de vender cachorros já castrados, chipados, com manual de instrução e uma taxa que seja usada para projetos de castração pública. De preferência, promover a adoção de animais resgatados ao invés da venda. Perdoem-me os radicais, mas impedir o sacrifício de animais pode ser um tiro no pé em caso de epidemias, situações de risco à integridade da população ou de multiplicação absurda que se vê em certos lugares. Quem abandona cachorro ou gato na rua devia ser preso por uns cinco anos. E penso que já tem gente o bastante pensando nos domésticos para me deixar livre para pensar nos silvestres.

Hoje, antes de dormir, afague seus bichos. Eles precisam de você.